Paula Cruciol
ilustração de Mariana Lio
Quem escreve, lê.
Essa é uma afirmação simples, mas verdadeira na comunidade de escritores por aí. Antes de escrever, nossa paixão era ler ou o impulso para escrever resultou no gosto pela leitura; não importa tanto o que veio primeiro, mas o fato de que ambos andam juntos e dão suporte um ao outro. Essa relação cria uma espécie de ciclo produtivo, fazendo com que escritores leiam e leitores escrevam. Que textos lidos inspirem a escrita e a escrita seja seguida de leitura.
O ciclo que se forma não tem etapas definidas ou ordem preestabelecida, pois cada um lida com a própria produção e leitura de textos de maneira distinta. No entanto, é inegável que há uma ligação e um impulso que mantém o ciclo autossustentável. Estamos sempre lendo, sempre escrevendo, indo e vindo nas nossas produções e nas produções que nos interessam e em cada etapa desse ciclo mudamos da posição de escritor para a de leitor, assumindo função não só de alvos da obra, mas de seus analistas e críticos.
O retorno aos nossos textos como outra entidade nos permite enxergar as mesmas palavras por diferentes perspectivas, encontrando erros, incoerências e desvios da ideia original que de outra maneira dificilmente seriam encontrados. A leitura nos permite desenvolver a escrita.
Do mesmo modo, a escrita permite nosso desenvolvimento como público leitor, possibilitando diversas maneiras de enxergar uma obra: pela perspectiva de quem também produz, pela perspectiva de quem sabe por onde buscar as intenções de quem escreveu e, de certa forma, ler através das palavras. Há diferentes formas de ler um texto, pois há diferentes elementos nos quais podemos focar e ter experiência com a escrita abre o leque de possibilidades para as interpretações e, principalmente, para as análises e os julgamentos.
Todo mundo que escreve lê. Contudo, nem todo mundo que lê escreve. Por quê?
Uma das razões pelas quais isso pode acontecer está no fato de que leitura e escrita são movimentos contrários em torno de um mesmo objeto. “A composição canaliza; a leitura, pelo contrário [...] dispersa, dissemina”,¹ disse Roland Barthes em seu texto Escrever a leitura, que se tornou um dos capítulos de O rumor da língua. A escrita é convergente, junta vários elementos imaginários e os transforma em elementos visuais: letras e palavras. A leitura, por outro lado, parte desses elementos visuais específicos e abre as portas para um mundo de imaginação, criação e liberdade. As letras e as palavras são as mesmas para quem quer que observe, mas as ideias despertadas por elas são únicas para cada observação.
Assim, apesar de o texto ser o objeto presente nas duas atividades, ora ele é fim e ora é início e os movimentos de convergência e divergência propiciam diferentes experiências. Dessa forma, ler e escrever são práticas comuns aos escritores e isso os influencia no momento de leitura de diferentes obras, mas os não-escritores não têm o mesmo leque de perspectivas. Essa diferença pode representar um desafio em relação ao modo de elaborar o texto, pois, como nós mesmos percebemos ao voltar aos nossos textos, muitas vezes a ideia original não fica bem expressa e a interpretação leva ao seu afastamento. E não queremos nos afastar da ideia original de nossos textos.
O que parece ser uma ferramenta útil nesse desafio, além da análise das nossas próprias produções, é a atenção quanto às descrições no texto. Apesar de dispersa, a leitura não é necessariamente um ato livre de restrições. É importante ter em mente quais as ideias principais transmitidas por cada cena e procurar maneiras para destacá-la, colocando mais detalhes; por exemplo, usando palavras-chave ou até mesmo usando formatação a seu favor. As maneiras de destacar uma ideia no texto e tentar garantir sua permanência durante a interpretação são muitas e cada texto pode usar uma estratégia diferente.
Podemos nos inspirar na escrita alheia, observando onde há mais e onde há menos descrições, que palavras são usadas para desenvolver sentimentos e personagens e assim podemos criar margens interpretativas. Não há como limitar a interpretação, mas é possível guiá-la e manter interessadas as pessoas que encontram nossas produções; e não é esse nosso maior objetivo como escritores? Pois quem escreve lê, mas também quer ser lido.
¹ Barthes, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 28.
Texto publicado na edição 1 — experiência criativa da revista Alcateia.
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