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Claus Corbett

Nada se cria

Claus A. Corbett

ilustração por 愚木混株 Cdd20


“Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” Arrisco dizer que praticamente todo mundo já ouviu uma versão ou outra dessa citação. Arrisco, também, dizer que nem todo mundo sabe o contexto ou a autoria dela – e, arrisco uma última vez dizer, Lavoisier certamente não pensava na produção criativa quando a proferiu.


No entanto, considero que ela se aplica perfeitamente ao processo de criação, recriação e reconsideração.


Quando pensamos, por exemplo, nos processos de decomposição orgânica, poderíamos dizer que “a matéria é reduzida a elementos cada vez mais básicos e reaproveitada em outros processos de produção de energia ou de matéria”. Pode parecer um pouco redutivo, mas acredito que, em essência, é isso. Diferentes elementos serão reaproveitados por diferentes processos de diferentes seres e possibilitarão a criação de diferentes coisas.


No processo criativo, considero que fato similar ocorre. Quando consumimos alguma mídia, acabamos por reduzi-la, também, a elementos cada vez menores, que poderão ser reaproveitados em processos de criação ou ressignificação. Podemos aproveitar a energia de uma obra para uma catarse ou revelação. Podemos absorver uma história e transformá-la em coragem para encararmos o mundo – ou para deixarmos que o mundo nos veja. Afinal, como não aproveitar, por exemplo, histórias queer com finais felizes para criar coragem e sair do armário? Podemos também absorver elementos minúsculos (ao menos em comparação com a obra da qual os retiramos) para (re)contarmos nossas próprias histórias através de personagens e cenários que (re)criamos.


O que me leva a uma pequena anedota particular. Minha mãe me disse certa vez que a criatividade não é a capacidade de criar algo novo do zero, mas sim de reordenar e recombinar coisas que não tinham sido combinadas dessa forma antes. A arte de realinhar, recombinar, relacionar. Não tenho a citação correta e devo estar reinventando também parte do sentido, mas, de qualquer forma, isso ficou comigo. Guardo como um ditame sagrado.


Ser capaz de contribuir ao reordenamento de possibilidades parece, afinal, um atributo divino, não?


Acho que preciso confessar algo, nesse momento: eu não sabia muito onde queria chegar com este texto. Comecei a escrever para (re)organizar a cabeça. Eu só sabia que, de alguma forma, essas duas ideias de fontes tão diferentes tinham uma essência comum e que eu queria contar isso para o mundo. Sinceramente, não sei se mais alguém poderia compartilhar o que minha mãe certa vez me disse, porque não sei para quem mais ela poderia ter dito isso. Acho também que, por ter vindo junto a um elogio – ela me dizia, na época, que admirava minha capacidade de fazer essas (re)conexões – eu também teria aí uma informação emocional que ninguém mais poderia trazer.


E aí cheguei a um ponto que para mim é um tanto novo. Quando comecei a escrever o parágrafo anterior, mas não quando comecei a escrever o texto, já tinha recombinado elementos de outras digestões psíquicas para chegar a uma resposta para a pergunta que eu não tinha oficialmente feito: afinal, o que há para se contribuir em um mundo onde tantas pessoas criam, criaram e criarão? Que diferença faz uma gota em um oceano tão cheio? A resposta que recebi é singela.


Não adicionamos uma gota a um oceano, recriamos sua essência e a devolvemos à água de onde saiu.


Aquilo que destilei de tudo que vivi, consumi, experimentei, criei... tudo isso vai se recombinando em minhas criações. E, por isso, hoje eu recebi um incentivo para continuar criando. Eu sei que há pessoas muito mais talentosas ou muito mais capazes para falar do que quero falar, mas, por mais brega que isso soe, ninguém poderia fazê-lo como eu. Ninguém poderia relembrar o elemento que foi o elogio que recebi de minha mãe mais de dez anos atrás.


De qualquer forma, espero que esse desabafo sirva também como um incentivo a quem, como eu, sentia que criar era um esforço vão, já que tantos outros criarão também. Esse era um peso que eu carregava e, quando entrei nessa linha de pensamento derrotista, esqueci de outro elemento que me é tão caro: a crença de que escalas binárias são reducionistas demais para explicar a experiência humana.


Não quero mais pensar se alguém vai fazer melhor do que eu, ser mais bem sucedido, mais famoso, mais rico, mais talentoso. Tudo isso só faria sentido se eu ainda achasse que vamos de 0 a 10. Mas, relembrando algo que eu me esqueci que já sabia, sugiro que podemos ir de 0 a β. Ou de 0 a telefone. De gota de chuva a camarão. Temos diversas dimensões para onde seguir, nas quais criar. Por isso, criemos.


Afinal, nada se cria, nada se perde – e nada se repete. Tudo se transforma, se inova, se diverte.


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Junho

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