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  • Claus Corbett

Àqueles que buscam a diversão

Claus A. Corbett

ilustração de Mariana Lio



Procuramos entretenimento para, bem, nos entreter. Para nos divertirmos.

E criamos entretenimento por diversos motivos, para diversas pessoas. Podemos estar atrás de dinheiro, de transformar uma paixão pessoal em algo disponível para muitas pessoas, de criar algo especial para alguém especial. Ou podemos estar terminando ou continuando o trabalho de outrem, trabalhando para bater metas e prazos, cansados de tudo aquilo e apenas torcendo para nossa verba durar até o final do projeto.

De qualquer maneira, o que queremos é criar algo que entretenha, que faça sucesso, que seja lembrado e recomendado. Por isso, quando criamos entretenimento, queremos trazer aquilo que pode garantir nossas expectativas com nossa obra: diversão.

Temos acesso a diversas fórmulas para isso, diversos estudos apontando a maneira perfeita de se seguir. Diversos planejamentos para criar diversão. Especialmente na indústria de games, que é muito mais comumente associada a entretenimento do que a uma arte.

O youtuber Tim Ruswick, do canal Game Dev Underground, avalia a busca pela diversão na criação de jogos e afirma: “É mais fácil encontrar a diversão do que criá-la.”¹

Isso pode acontecer de várias formas. Mark Brown, youtuber responsável pelo canal Game Maker’s Toolkit, explora, em seu vídeo “Games That Designed Themselves”² alguns casos de jogos que se tornaram o que são porque os desenvolvedores viram algo inesperado e decidiram que isso era mais divertido do que seu plano inicial. Ele cita, por exemplo, o jogo Ape Out, em que o jogador assume o papel de um gorila em fuga e deve agarrar e arremessar guardas contra as paredes ou contra outros guardas para se livrar deles.

Originalmente, segundo o youtuber, os desenvolvedores imaginavam um jogo de furtividade em que um espião usava comandos de agarrar e empurrar para se esgueirar pelas paredes. Quando viram que agarrar os guardas e arremessá-los era a parte mais divertida, eles decidiram focar o jogo nisso, se livraram de mecânicas desnecessárias e transformaram o protagonista em um gorila.

Esse é apenas um dos casos que o vídeo traz de desenvolvedores que perceberam algo que era mais divertido do que seus planos originais. No meio de design de games, isso é conhecido como a filosofia “follow the fun” (siga a diversão). Durante a fase de testes, o feedback de game testers — ou, no caso de outras mídias, de leitores beta, do público de exibições de teste etc. – pode ser também uma forma de encontrar e então seguir a diversão.

Uma caixa de madeira derruba laranjas no meio da rua.
ilustração de Mariana Lio

Chris Bratt, do canal People Make Games, comenta sobre um bug na programação do jogo Subnautica que foi descoberto durante a fase de testes e que foi mantido no jogo porque os desenvolvedores entenderam que ele tornava o jogo mais divertido. Em Subnautica, o jogador passa bastante tempo debaixo d’água e um dos recursos com os quais deve se preocupar é seu oxigênio. Quando o jogador tem apenas trinta segundos de oxigênio sobrando, o jogo soa um aviso e, quando o oxigênio acaba, a tela escurece e é game over... a não ser que você esteja próximo o suficiente da superfície para alcançá-la mesmo depois de tudo ter ficado escuro.

Bratt conta que isso não era uma característica intencional, mas que os desenvolvedores do jogo entenderam não ser um bug, mas sim uma funcionalidade. Subnautica é um jogo interessante de se analisar nesse sentido, já que traz também uma outra funcionalidade que não é (ou não era) comum em outros jogos.

No vídeo Why Subnautica Owes Its Success to This Button,³ Bratt fala sobre esse bug que se tornou uma funcionalidade, mas também fala de um botão de feedback pensado pelos desenvolvedores para ser uma parte importante de sua busca pela diversão. Através desse botão, o feedback dado pelos jogadores mostra um mapa de reações positivas, negativas e também comentários em todas as reações. É possível mergulhar nesse mar de informações e remover cada vez mais ideias e indícios do que é a diversão em Subnautica.

No entanto, nem sempre aquilo que seu público-alvo pede é aquilo que eles realmente querem – e menos ainda aquilo que você quer. Bratt menciona em seu vídeo que fãs de Subnautica pediram a inclusão de armas de fogo, mas que os desenvolvedores decidiram não acatar esse pedido por motivos pessoais, procurando oferecer outras formas para os jogadores lidarem com inimigos agressivos. No vídeo Should Game Designers Listen to Negative Feedback?,⁴ Mark Brown também aponta que os jogadores podem sugerir soluções que acabam criando novos problemas.

Portanto, a sugestão que dá é: procure problemas, não soluções. Aquilo que é sugerido em feedback a uma versão pronta ou em produção de uma obra não necessariamente apresenta uma solução real, mas certamente oculta uma insatisfação real. Por isso, olhe para o que está além e na raiz de sugestões que receber – e saiba quando descartá-las para preservar também sua visão da obra.

Essa filosofia de design não precisa necessariamente se aplicar apenas a games; pelo contrário, pode ser abraçada por todos que desejam criar algo que entretenha o consumidor final. Talvez seja impossível adicionar um botão de feedback em seu próximo livro, mas é para isso que existem leitores-beta, por exemplo. Além disso, sua própria percepção daquilo que cria já é um feedback totalmente válido.

Essa filosofia também pode ser adaptada a outros objetivos. Criando um filme de terror? Follow the horror. Um quadro inspirador que traz esperança a quem o contempla? Follow the hope. Saber identificar em sua própria obra aquilo que traduz a essência do que você gostaria de criar é uma ferramenta indispensável para todo artista.

Além disso, é importante pensar na direção que a própria obra está seguindo e entender que isso também é um fator. Mark Brown chamou seu vídeo de Games That Designed Themselves justamente por ser essa a sensação dos desenvolvedores – e que artista não passou por isso também? A sensação de que as musas foram canalizadas em sua obra, que ela surgiu não de você, mas através de você... esse fluxo também deve ser respeitado.

Então, àqueles que buscam a diversão, deixo aqui esse conselho: a siga aonde quer que seja que ela te levar.


Abraços,

Claus A. Corbett



¹ Ruswick, Tim. What Makes A Game Fun - 3 Tips To Make A Fun Game. Game Dev Underground, YouTube, ago. 2017, 2:40.

² Brown, Mark. Games That Designed Themselves. Game Maker’s Toolkit, YouTube, ago. 2020. Disponível em: Acesso em: 30 out. 2020.

³ Bratt, Chris. Why Subnautica Owes Its Success to This Button. People Make Games, YouTube, set. 2020. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=zVnOcmiEdIE. Acesso em: 30 out. 2020.

⁴ Brown, Mark. Should Game Designers Listen to Negative Feedback? Game Maker’s Toolkit, YouTube, mai. 2020. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=P05ONfLOqmY. Acesso em: 30 out. 2020.



Texto publicado na edição 5 — dedicatória da revista Alcateia.

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