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  • Claus Corbett

Por que escrevemos?

Claus A. Corbett

ilustração de Mariana Lio



A arte não precisa de motivos, mas isso não quer dizer que não tenhamos motivos, desejos e pulsões para realizá-la ou para apreciá-la. E a escrita é, no final, mais uma forma de arte.

Por que, então, escrevemos?

Ursula K. Le Guin, escritora, artista das palavras, questionadora e inovadora, disse que “Lemos livros para descobrirmos quem somos”.¹ Talvez, então, escrevamos também em busca de quem somos, de nossa verdade.

Escrever é uma arte, uma terapia, uma forma de autoconhecimento, uma vazão para nossos anseios e para tudo que borbulha em nosso interior. Eu sei que escrevo para me entender melhor, para ressignificar e revisitar sentimentos e memórias longínquas, para colocar para fora aquilo que não sei mais como expressar. Por isso, aliás, considero a escrita uma arte. Entendo a arte como uma forma de jogar ao mundo o que temos de precioso, de íntimo, em um movimento catártico e belo.

Círculos sobrepostos formam planetas e corpos celestes desalinhados. Em primeiro plano, estrelas e poeira estelar. No canto inferior direito, uma pessoa com vestes flutuantes flutua dentro de um círculo.
ilustração de Mariana Lio

Uma forma de re-apresentar o que está fora, ressignificar o mundo em que vivemos.

Le Guin, em sua introdução ao livro The Left Hand of Darkness, fala sobre a ficção científica como um exercício intelectual, apontando que a função de tal exercício — e, portanto, da ficção científica — não é prever o futuro, mas “descrever a realidade, o mundo presente”.²

A autora segue defendendo que nós, autores de ficção, estamos a serviço da verdade. Queremos representar o que vemos, às vezes através de metáforas ou figuras de linguagem, às vezes através de mundos inteiros inventados apenas para esse exercício intelectual acerca de uma faceta do que entendemos como a verdade do mundo.

Queremos, antes de mais nada, descobrir nossas verdades enquanto as expomos. É um processo complexo e ao mesmo tempo tão natural quanto tudo mais em nossa experiência do mundo como seres sociais e racionais. Por isso, perseguimos a realidade que tanto precisamos sentir “de uma maneira peculiar e desonesta, que consiste em inventar pessoas, lugares e eventos que nunca existiram ou ocorreram e nunca existirão ou ocorrerão”,³ colocando nessas nossas criações toda nossa emoção, todo aquele sentimento emaranhado às nossas próprias vivências.

Eu diria que escrevemos e lemos livros para nos descobrirmos. Para explorarmos, sentirmos, pensarmos, vivenciarmos. Pelas catarses, pelas experiências novas.

Para fazermos jus àquela clareza efêmera de uma verdade que não conseguimos exprimir claramente em frases lógicas, simples, científicas. Nesta nossa edição inaugural, é esse o nosso convite a vocês. Tentemos refletir alguma luz sobre as verdades do mundo enquanto lemos, escrevemos e nos descobrimos.



¹ Ursula K. Le Guin. The Language of the Night: Essays on Fantasy and Science Fiction. Ultramarine Publishing, 1980. p. 31. Tradução nossa.

² Ursula K. Le Guin. The Left Hand of Darkness. SF Masterworks Kindle Edition. Londres: The Orion Publishing Group, 2017. Tradução nossa.

³Idem.



Texto publicado na edição 1 — experiência criativa da revista Alcateia.

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