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Revista literária Alcateia

Poesia cotidiana

Julia Helena de Oliveira



Se você já foi tomado pelo entusiasmo de uma nova ideia, por um anseio que te faz precisar parar o que está fazendo para anotar algo, sabe bem que as inspirações podem vir dos lugares mais estranhos.

Esses mesmos lugares estranhos, elementos ordinários e assuntos banais, depois de uma certa luta, entraram na poesia e, hoje, podemos ler um lindíssimo poema sobre uma torneira, se esse tema parecer criativo o suficiente para que um autor deseje desenvolvê-lo.

Quem inventou que poesia é só lirismo, romance e melancolia, afinal? Se eu quiser escrever um texto poético sobre caixas de supermercado, que mal tem? Quem disse que poesia é só texto escrito? Se eu quiser fazer um desenho poético, isso deixa de ser poesia? Os concretistas devem ter algo a dizer sobre isso. Sim, o poético pode estar até em meias sem par, em comida enlatada e ursinhos de pelúcia.

Isso pode parecer estranho, mas a Alcateia quer te desafiar a tentar.

Na próxima página, você encontrará itens tão banais quanto nós mesmos, enumerados de 1 a 15. Simplesmente escolha ou sorteie um número e descubra seu elemento completamente normal.

Após estar satisfeito com seu prosaico eu-lírico, você deverá produzir algo inspirado por esse elemento. Sim, talvez você deva se apaixonar por ele, torná-lo especial, quase como se fosse extraordinário; mas não muito, ele ainda é comum. Você pode produzir uma poesia escrita, uma narrativa, uma música, uma ilustração, um quadro ou qualquer coisa que você quiser, desde que traga uma qualidade sentimental.

1. Estática no rádio;

2. Óculos quebrados;

3. Um sofá;

4. Uma árvore sem folhas;

5. Um batom acabando;

6. Latidos agudos;

7. Um calendário de bichinhos;

8. Um vaso com terra, sem plantas;

9. Uma lâmpada queimada;

10. Tosse seca;

11. Palito de sorvete;

12. Uma buzina;

13. Cadarço vermelho;

14. Roupa suja;

15. Um carretel de linha.


Um exemplo:

Roupa suja

(Susana Agnes Santos)


Sabe, tenho estado um tanto tons bebês,

tons pastéis

Travestindo por aí certa discrição, uma placidez

é o que tento ter agora, você me entende?

Mas as roupas claras sempre me serão tenebrosas

Ai, o medo de manchá-las ao lavar,

o risco de um kitsch involuntário,

irônico

Seria como trazer o transtorno de volta

e eu estou transformando tudo,

até essas coisas, você acha tolice?

A tristeza já diminuiu muito,

A única tragédia mesmo, acredite

é que não consigo devolver, sequer lavar

a camisa que ele esqueceu aqui,

aquela da tigresa

Ele esteve com ela na nossa primeira noite,

em várias noites

Mas não durmo com ela, se você quer saber

Está jogada num canto, não vale nada

Te juro.



Proposta de exercício criativo publicada na edição 4 — vida de artista da revista Alcateia.

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