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  • Paula Cruciol

Pelas linhas do texto

Paula Cruciol

ilustração de Mariana Lio



As razões que levam alguém a começar a escrever são inúmeras e podem variar drasticamente de uma pessoa para outra. Queremos nos expressar, criticar, exaltar ou simplesmente inventar. Queremos rimar, descrever, despertar reflexões ou criar diálogos, ter nossas vozes ouvidas, transmitir nossas mensagens e muitos outros desejos, um diferente do outro a cada texto, um diferente do outro para cada escritor. Contudo, de uma forma geral, o que temos em comum e que nos mantém escrevendo é o desejo de ter nosso esforço técnico e artístico reconhecido a cada leitura.

No entanto, escrever não é fácil.

A escrita é uma atividade que demanda tempo, planejamento, análise, trabalho físico e mental. Nem sempre é possível ficar olhando para a tela e batendo no teclado, ou dançando uma caneta pelo papel pelo tempo que se gostaria e nem sempre nosso trabalho é satisfatório logo de primeira e isso pode ser uma grande frustração. Escrever é difícil e por mais que tenhamos objetivos com nossas obras e tentemos encontrar força e tempo suficientes para alcançá-los, motivação sempre será uma questão delicada para quem escreve. Começar a escrever não é um problema, mas como continuar escrevendo?

Um dos fatores que podem dificultar a progressão do texto é exatamente o entendimento do que é progressão, avanço, continuidade. A tendência é que escrita e enredo andem juntos; ou seja, queremos que a primeira cena da história, o primeiro parágrafo do texto, seja também o primeiro a ser escrito e toda a escrita seja ordenada com cenas e parágrafos consecutivos até o fim, que é , por sua vez, a última coisa que escrevemos.

No entanto, essa ordem não precisa ser seguida para que o texto seja concluído. A palavra texto se relaciona, de acordo com sua etimologia, a tecidos e a palavra linha, a fios de tecido, e tecidos podem ser costurados, linhas podem se cruzar e grandes porções de textos distintas podem se unir e formar apenas uma trama.

Então por que escrever todas as cenas e todos os parágrafos em ordem se o texto pode ser rearranjado? A última cena pode ser a primeira a ser escrita e parágrafos soltos, fruto de inspiração momentânea, podem ser elaborados e inseridos nos locais mais adequados ao enredo. Muitas coisas nos inspiram a escrever e nem sempre nossa imaginação nos leva em direção à construção contínua do texto, mas não há mal nenhum em sua fragmentação. E assim vai se formando o tecido do texto: costurando uma cena na outra, um personagem no outro, um trecho de cada vez.

Um lobo formado por diversas linhas de texto sobrepostas. As linhas estão em diversas direções e os espaços em branco ajudam a formar a imagem.
ilustração de Mariana Lio

Essa costura, inclusive, pode ser um fator motivador para quem escreve. Estar sempre escrevendo, por mais que o texto não esteja crescendo de maneira linear, pode elevar nossa energia e nosso senso de produtividade escrita.

Uma parte importante do processo de escrita é também a edição; da mesma forma que uma peça de tecido precisa passar por cortes para tomar forma, um texto também precisa passar por análises e mudanças, supressões e acréscimos e o que é a escrita de cenas isoladas para depois serem unidas em sequência se não a edição do texto? O importante é escrever. Em ordem, sem ordem, continuamente, de maneira fragmentada, escrevendo parágrafos e descrições soltas para depois se encaixarem em algum lugar ou ir preenchendo os espaços conforme eles aparecem.

A razão para começar a escrever podem variar de uma pessoa para outra; contudo, além da escrita, algo sempre permanece o mesmo para todos os textos: uma ideia.

Todos os textos partem de uma ideia — completa ou não, com muitos ou poucos detalhes, mais abstrata ou mais concreta — e ela é o primeiro fator impulsionador do texto e não precisa ser somente a base da obra. A ideia pode ser o que mantém a energia de quem escreve durante todo o texto, pode ser o que nos mantém motivados.

A história que queremos contar ou o texto que queremos escrever tem pontos altos e baixos, com variações de emoção, trechos descritivos, discursos argumentativos, diálogos curtos e longos e muitos outros elementos, transições e , por mais que nem sempre cada detalhe esteja planejado, temos em mente as partes que estamos mais ansiosos para escrever ou que nos causam maior emoção. Por que não começar por elas? Por que não começar o texto pela parte que nos traz maior empolgação, que nos deixa mais animados para continuar escrevendo? Por que não só escrever?


Texto publicado na edição 1 — experiência criativa da revista Alcateia.

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