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Paula Cruciol

Jorrando palavras, manchando textos

Paula Cruciol


Os meus textos estão vazando. Que droga! Olhe todas

essas

palavras e s p a l h a d a s

palavras palavras

palavras pelo

chão.


Achei que tinha tapado as frestas, me atentado a todas as brechas, afinal, todo texto tem margem. Ela está bem ali, aqui, dos dois lados.

Mas me pego transbordando de um para o outro, carregando e embaralhando sentidos, significados, sensações. Sentidos sentidos. Essa cor não é deste texto, é de outro que comecei semana passada. Essa textura não é daqui, é de um sonho que tive ontem. Eu não quero essa cor, eu não quero essa textura. Eu não quero esse sentido, eu não quero esses sentidos.

Eu quero um texto sem se manchar no outro.

Eu queria começar pelo começo.


Lavo meus sentimentos em água corrente. Isso deve funcionar. Assim não pingam nos outros, assim não tem mais cheiro.

Esfrego um contra o outro embaixo da água. Parece que não soltam tinta, mas ponho os dedos no teclado e cheiro a estática na tela. Ali está uma mancha.

Deixo que as opiniões se escorram, lavadas, pelo ralo até que sobre apenas o que está nas mãos. Agora sim, assim é melhor, limpo. Sentidos despidos, mãos nuas, novas palavras.

Corto em pedacinhos e volto à tela, cuja luz me escurece os olhos cansados. Ardência de cortar palavras, frases, parágrafos, sentidos, te-


[corte]


As cores e os cheiros lavados, desbotados, ganham cor novamente, se embrenhando no papel alheio, nas ondas sonoras que pintam o ambiente ao lado, na maciez de uma conversa silenciosa na tarde da noite. Não importa o que eu faça, os sentidos estão ali, se percebem. Misturo bem e devolvo os arrepios, aquecendo-os com temperaturas ensurdecedoras de sintaxe. Abro a boca e devoro as palavras com dedos frutíferos, sedentos. Sinto o gosto das definições pela língua da íris e encontro sons de ideia por detrás da tela. Você consegue ver?

Estenda as mãos, sinta o escuro da mancha no papel, os buracos que ela deixa para trás, os caminhos clandestinos que tece. Percebe? Os sentidos das palavras, os sentidos nas palavras, os sentidos por você sentidos e ressignificados, re-sentidos e ressentidos? Você sente? Sente o significado? Não é possível vê-lo, mas se colocar as mãos ao lado dos olhos e tentar ouvir o silêncio, talvez perceba: ali está.


E o começo já foi, você viu? Ele estava antes, antes mesmo do que você viu.

Talvez o começo de tudo seja invisível e só outros sentidos possam senti-lo. Eu mesma não consigo mais enxergar. Os olhos costuram palavras e a ponta dos dedos silenciosa observa os pensamentos que batem nas teclas, mas acho que esse texto é um vazamento de outro, anterior, um fruto da ante-página. E agora? Agora você sabe que o começo é uma questão de ponto de vista.

Então é assim que se começa. ! ?


[assim]


Está sentindo esse cheiro? Consegue ver o que é?

É uma nova publicação. Uma nova edição.

Então comece aqui.




Texto publicado na edição 8 — sinestesia da revista Alcateia.

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