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  • Revista literária Alcateia

Eu juro que tenho uma ideia para este texto, mas não está saindo

Claus A. Corbett

Paula Cruciol

ilustração de Mariana Lio



Todos já passamos por isso, independente da frequência e da intensidade com a qual produzimos. Qualquer processo criativo está sujeito a esse tipo de problema. Mas como lidar com bloqueios como esse? Existem algumas técnicas, na verdade, e talvez elas sejam exatamente o que você precisa para conseguir finalmente tirar suas ideias da cabeça e colocá-las no mundo.

A primeira coisa a se perguntar é se seu cérebro está sobrecarregado. Isso pode querer dizer uma sobrecarga sensorial ou de informações e ideias. Você costuma produzir ouvindo música? Desligue-a um pouco. Há muito barulho ou pessoas conversando por perto? Tente encontrar um lugar mais tranquilo para trabalhar. Sim, são ideias básicas, mas é assim que começa toda conversa com o suporte técnico. O que nos leva, aliás, para uma pergunta importante: você já tentou tirar da tomada e ligar de novo?

No plano de fundo, uma parede de tijolos escura. Em primeiro plano, uma pessoa da cintura para cima. Em sua cabeça, um círculo preto, dando a ilusão de um buraco.
ilustração de Mariana Lio

Isso se relaciona ao segundo tipo de sobrecarga. Às vezes, temos coisas demais na cabeça, o que dificulta a maturação de uma ideia. Claro que qualquer input sensorial, da mesma natureza de nossa arte ou não, pode contribuir para essa sobrecarga, mas ela também pode ser interna.

Uma dica básica para se lidar com isso é simplesmente se desligar de tudo, tirar o cérebro da tomada. Tomar um sorvete, olhar para o céu pela janela e tentar ver formas nas nuvens, tirar um cochilo, jogar videogame. Mas só vale se realmente pararmos de pensar no que queremos criar - pelo menos conscientemente. Tem horas em que é preciso deixar as ideias rodando no inconsciente por um tempo.

Nesse ponto, criar algo completamente diferente também pode ajudar. É como limpar o paladar. Se seu projeto problemático é uma narrativa séria, complexa e cheia de drama, escreva então um microconto humorístico, um poema ou um textão para as mídias sociais. E vice-versa. Se for uma ilustração de um personagem original, protagonista da sua próxima HQ, então faça uma fanart do personagem favorito da sua comic book mais lida, da sua maior coleção, ou tente materiais diferentes - grafite, tinta, giz, linhas digitais. É uma coreografia para uma apresentação de dança? Faça um alongamento, mude o ritmo, troque a música, dance só para se divertir. Seja criative. E entenda que a parte “problemática” também pode fazer parte do processo de criação. Não é só porque esse bloqueio é “um problema” que ele não pode ser também produtivo, um impulso, uma estaca zero para novas observações, novas decisões artísticas, novas experimentações.

A segunda pergunta a se fazer é qual sua motivação para produzir. O que você quer com isso? Para onde você vai com esse quadrinho, essa pintura, esse poema, essa música? E, mais importante ainda, você realmente quer produzir essa obra? Você realmente quer seguir em frente com essa arte? Mesmo que seja algo maçante, obrigatório, é possível se motivar de alguma forma. Comece por torná-lo seu. O projeto, antes de mais nada, é seu. Decida, então, o que você - e só você - pode colocar nele e dizer com ele. Se envolva.

Caso nada te interesse, é hora de começar a considerar se você realmente quer dar continuidade a ele e de que formas você poderia alterar seu planejamento ou ideia inicial para que se tornasse algo realmente interessante. Mais uma vez, a criatividade pode te salvar aqui.

Procure montar um quadro de inspirações. Coloque nele tudo o que quiser ver refletido no seu projeto: imagens, frases, sons, músicas, sentimentos… mantenha esse quadro próximo de você e volte nele sempre que sentir seu ritmo desacelerar ou aquela incerteza de como continuar aparecer. Aproveite todas as mídias que puder para se inspirar. Uma boa maneira de usar esse quadro é parar a produção e absorver por um momento as coisas que colocou nele. Se nutra, se inspire, se imbua em tudo que colocou lá - e então volte (ou comece) a criar.

A terceira e última pergunta que sugiro aqui é bem simples: você já tentou... continuar sua produção mesmo assim? Mesmo diante do bloqueio. Não quero dizer com isso tentar fazer uma obra prima, mas apenas sentar e fazer algo. Qualquer coisa. Aqui, nesta pergunta, encontramos as raízes da dificuldade da maior parte dos artistas inexperientes: o casamento do perfeccionismo com a pressa.

Toda forma de arte requer prática. Não só no contexto macro, da vida toda, mas também no micro. Comece rascunhando. Escreva algumas frases soltas aqui e ali, rabisque algumas formas, mexa seu corpo, diga coisas em voz alta. Caso esteja planejando uma obra extensa, comece com as partes que mais te empolgaram, com aquilo que já capturou seu interesse, crie storyboards das melhores cenas, escreva os melhores diálogos, desenhe o personagem que mais te anima, componha o solo de guitarra. Não importa se isso vai ser usado para a versão final ou não (spoiler alert: provavelmente não será). Isso ajuda a ‘aquecer os músculos’ da criação.

Nos casos de obras grandes em geral, esse tipo de rascunho é maravilhoso para testar e amadurecer ideias. Às vezes, no meio de uma cena rascunhada, você perceberá que alguns dos elementos que você planejou não estão funcionando bem - pule algumas páginas e continue escrevendo com os elementos que acha que funcionarão. E se alguma parte da sua música ficar repetitiva ou muito parecida com uma música famosa, toque ela mesmo assim e siga improvisando com as notas que vierem. O nariz desse personagem não ficou do seu agrado? Siga desenhando assim mesmo, nada é oficial ainda. A palavra de ordem ao rascunhar é “experimentação”.

Teste, reteste, prove e aprove (ou reprove); tirando da cabeça o peso de ter de entregar a obra final, fica mais fácil gerar alguma coisa.

É preciso produzir mesmo (ou talvez especialmente) nos momentos de bloqueio. Rascunhe, se inspire, se motive, descanse - faça o que precisar para acabar seu projeto sem que ele acabe com você.



Texto publicado na edição 4 — vida de artista da revista Alcateia.

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