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Revista literária Alcateia

Dicionário felino

Vinícius E. Russi



No momento em que este Textando começou a ser escrito, a população mundial chegava a 7.823.433.272 pessoas, de acordo com o Worldometers – real world time statistics. Esse número de difícil leitura pode trazer diferentes conclusões a diferentes pessoas, mas, para essa reflexão, é importante destacar o seguinte: ele é imenso, há muitas pessoas vivas neste momento.

Sendo assim, quando se é artista, não é difícil que uma criação compartilhada ou publicada encontre pessoas diferentes de você. É tarefa bem fácil porque, como já mostramos, há pelo menos 7.823.435.519 pessoas diferentes de você vivendo no planeta Terra (sim, o número aumentou esse tanto um parágrafo depois). Cada uma carregando suas visões de mundo, suas experiências, suas relações, seus interesses; cada uma carregando um +1 na contagem gigantesca.

Mas quão grande pode ser a diferença entre quem cria e quem lê? Geralmente, há alguma semelhança entre os dois, é preciso que a comunicação entre eles seja possível, claro, e espera-se que pelo menos alguns de seus interesses sejam os mesmos. A questão é que o público-alvo das obras é quase sempre o mesmo, raramente há uma grande experimentação para quem uma obra é destinada.

Nesse sentido, o Textando dessa edição vem justamente para testar os limites dessa diferença, explorar a capacidade de quem cria de fingir para quem cria. A proposta é fazer uma narrativa, um poema, uma ilustração, enfim, uma produção de um verbete de dicionário, criando a definição de um item para um leitor específico entender do que ele se trata. Se você for fazer um verbete de um Dicionário Felino, precisa fazer uma explicação que faça sentido para um gato.

Na próxima página, fizemos algumas sugestões de coisas a serem definidas e para quem essa definição é destinada. Fomos ao extremo, colocando, além de leitores humanos, leitores objetos e animais. Pode escolher qualquer número, sortear ou até imaginar itens e destinatários diferentes! Extrapole a criatividade!

Defina:

1. computador para um gato;

2. medo para uma janela;

3. você mesma(o) para uma pessoa desconhecida;

4. CPF para uma abelha;

5. o som de um espirro para uma pessoa surda;

6. salário para uma criança;

7. arco-íris para um extraterrestre;

8. felicidade para seu eu de 5 anos atrás;

9. e-mail para uma carta;

10. esporte para uma planta;

11. uma mensagem visualizada e não respondida para uma pessoa do século XIX;

12. bambolê para um robô;

13. casamento para um cachorro;

14. a cor laranja para uma pessoa cega;

15. gravidez para uma bactéria.


Um exemplo:

(Claus A. Corbett)


Imagine o calorzinho do fim de tarde em uma primavera particularmente agitada. Não há piscina, mas nos deitamos na grama para nos banharmos nos raios oblíquos do sol. Há um cheiro cítrico no ar, um tom de frescor ou umidade talvez.

Pego sua mão e posiciono seus dedos para sentir a inconstância do mundo, os relevos incertos que formam uma música em ré. Nos reconfortamos no desejo acalentado e suprido, no poder de uma vontade satisfeita, de uma fome sanada.

Temos o que precisamos – nem mais, nem menos. O calor é suficiente, assim como o frescor. Nos recolhemos em nós mesmos para entender a fusão da paixão e da alegria. O chão em que deitamos é levemente inclinado e uma brisa morna dança sobre nós.

Estamos vivendo aqui o contentamento que precede o descanso. Respiramos fundo, enchendo os pulmões com esse ar na temperatura ideal. Temos tudo na medida certa.


Usei o prompt “explicar a cor laranja para uma pessoa cega”. Pensei em tudo que o laranja me faz sentir, imaginei uma cena e tentei descrevê-la o máximo possível sem usar qualquer informação visual - no final, me espantei de ter chegado tão perto. Foi divertido escrever esse texto e fui tomado por um contentamento muito grande, quase como se a cor tivesse se (res)significado e pousado sobre mim! Adorei o exercício!



Proposta de exercício criativo publicada na edição 5 — dedicatória da revista Alcateia.

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