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  • Claus Corbett

Autobiograficção

Claus A. Corbett



Autobiografias [ são / tentam / deveriam ser ] relatos fiéis à realidade.

Memórias [ são / deveriam ser / nem sempre ] são relatos fiéis à realidade.

Eisold¹ afirma que a memória não é confiável porque não só suprimimos memórias que podem ter impactos negativos na nossa autoestima, mas também porque, quando lembramos de algo, estamos, na verdade, reescrevendo essa memória, reconstruindo-a a partir de traços de informação que ficaram gravados em nossos cérebros. Uma das coisas importantes de se notar aqui é: temos traços, pedaços de informação, não um relato completo, coeso e fiel guardado em nossas mentes.

Para a psicóloga e escritora Elisabeth Hanscombe, “quando juntamos dois ou mais pedaços de informação, mesmo pedaços que não se relacionam, a mente humana tentará encontrar conexões entre eles, mesmo aquelas que não são óbvias”.² Vamos, então, criar conexões, racionalizações, novos pedaços de informação para juntar o que temos.

Calma, não há motivos para desespero. Isso não quer dizer que nada do que lembramos está certo, apenas que embelezamos e editamos nossas memórias sempre que as revisitamos. Também não quer dizer que o passado não é de importância para o que escrevemos — afinal, os traços de informação que temos de nossas memórias moldam o que escrevemos, planejamos, pensamos, criamos, somos. Nas palavras de Hanscombe, “O passado informa o presente.”³

É esse o ponto de partida para o exercício criativo que temos para te sugerir hoje.

Uma mulher da cintura para cima está com as mãos apoiadas em uma bancada enquanto olha de frente para um espelho.
ilustração de Mariana Lio

Primeiro, escolha algo de seu passado — uma memória, um objeto, uma imagem, uma música, algo que tenha significado emocional e com o qual você se sinta confortável. Crie a partir disso. Pode ser um texto em prosa, um poema, uma imagem, uma escultura… Deixe que aquilo que você sentiu e sente com relação à situação se misturem e deem vida a algo novo.

Uma coisa importante a manter em mente é: o que você vai criar não será uma memória mais apurada, uma explicação concreta do que você vivenciou. Não tenha a atitude de um historiador. Você pode, inclusive, alterar conscientemente o que quiser nessa nova obra — não há qualquer obrigação de se manter fiel ao passado. Deixe sua atenção flutuar, as sensações virem e as traduza em algo novo.

Uma boa forma de fazer isso é evitar se incluir diretamente em sua obra. No caso de um desenho, por exemplo, tente representar as formas humanas como diferentes de você, se possível. Se desejar escrever uma carta a alguém, imagine um personagem escrevendo para outro.

Esta é uma proposta de reapropriação e de soltura. É uma proposta que visa buscar inspiração e traços que podem ser recombinados, reinventados, ignorados, selecionados, descartados…

Se o passado informa o presente, o que somos agora também alimenta nossas memórias do passado. Que tal, então, deixar o você de agora brincar um pouco com essas memórias?




¹ EISOLD, Ken. Unreliable Memory: why memory’s unreliable, and what we can do about it. Psychology Today. Sussex Publishers, 2012. Disponível em: https://www.psychologytoday.com/ intl/blog/hidden-motives/201203/unreliable-memory. Acesso em: 1 mai 2020.

² HANSCOMBE, Elisabeth. Traces of Memory. Academia.edu. Disponível em: https://www. academia.edu/23072606/Traces_of_Memory. Acesso em 1 mai 2020. p. 5-6.

³ Idem. p. 12.



Proposta de exercício criativo publicada na edição 2 — identidade da revista Alcateia.

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