top of page
Revista literária Alcateia

Aos parasitas, que criaram estereótipos

Paula Cruciol

Julia Helena de Oliveira

ilustração de Mariana Lio



Parasita.

Adjetivo de dois gêneros e substantivo masculino

(...) organismo que vive de e em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano.¹

O parasita precisa do outro para se manter. Ele precisa explorar o outro ao máximo para permanecer quem é, e assim vivem aqueles que produzem os estereótipos. É custoso dizer onde surgiram, mas a criação de representações do “outro” foram essenciais para a consumação de poder sob outras culturas. Segundo Stuart Hall,

...a diferença é ambivalente. Ela pode ser tanto positiva quanto negativa. Por um lado, é necessária para a produção de significados, para a formação da língua e da cultura, para as identidades sociais e para a percepção subjetiva de si mesmo como um sujeito [...] Por outro, é ao mesmo tempo ameaçadora, um local de perigo, de sentimentos negativos, de divisões, de hostilidade e agressão dirigidas ao “Outro”.²

A representação do outro evoluiu de aquisição direta de territórios (imperialismo) para um apoderamento de características físicas e culturais em nome do entretenimento (indústria cultural). De colonização de territórios para colonização ideológica. Em um olhar muito resumido, o surgimento do cinema e da máquina romântica é o ínicio da indústria cultural ocidental, que englobou todos os padrões estéticos e comportamentais, criando o que agora vemos como um arquétipo de normalidade, o mainstream.

Assim, o mercado do entretenimento utilizou e moldou a figura do “outro” de forma exótica, como um produto de venda. Às palavras de Hall, personagens e ambientes estereotipados são imagens “simples, vívidas, memoráveis, facilmente compreendidas e amplamente reconhecidas”,³ tudo o que é representado dessa forma tem como produto algo reduzido a seus traços mais gerais e exagerados.

O mainstream se tornou uma visão parasitária, algo que se tornou involuntário, que se faz presente até quando tentamos evitá-lo. É uma visão preconceituosa e limitada do mundo, que muitas vezes se perpetua pelos padrões heteronormativos e brancos que são impostos pela cultura popular e cultura de massa. Ao criar esse padrão do que é normal, inevitavelmente também são criados estereótipos de como o “outro” é. Se ele não equivale aos padrões, então ele deve ser atípico, excêntrico.

Via de regra, leitores interpretam um texto seguindo padrões convencionais e dominantes, usando o que há de mais comum e generalizado no seu dia a dia. Por sua vez, os escritores devem ter em mente que, ao escolher descrever mais ou menos detalhes, estarão inevitavelmente impostos à interpretação mainstream de suas obras.

Um quarto desorganizado com uma beliche na direita e uma cama na esquerda,
ilustração de Mariana Lio

Lamentavelmente, os padrões sociais influenciam a leitura e a interpretação de textos e, nesse sentido, cabe aos escritores quebrar esses padrões. Quais as chances de os leitores imaginarem um personagem negro na história se não há escrito no texto que o personagem é negro? Quais as chances de os leitores imaginarem uma personagem lésbica se não há essa informação no texto? É quando o autor decide deixar apenas “subentendido” que seu personagem não é branco, não é magro, mas deixa margens pros leitores imaginarem eles assim, como se imaginar um personagem não normativo fosse gerar um incômodo para o leitor.

Tão ruim quanto a não representação, é a representação cercada pelos estereótipos.

A fuga do mainstream é uma dupla estrada. Embora os leitores procurem se afastar dessas representações normativas e estereótipos, abrindo a mente para novas imagens, os escritores possuem a maior parte da responsabilidade para gerar a mudança.

Não fazer descrições pode resultar em uma leitura mainstream, descrever pouco pode resultar numa colagem e descrever demais pode resultar em estereótipos redutores das minorias. O que você deve fazer?

É aí que encontramos a encruzilhada. Somos expostos diariamente a obras que forçosamente procuram introduzir essa mudança, mas a representatividade pela representatividade, como preenchimento de cota de diversidade no texto, pode contribuir para o mainstream e até mesmo prejudicar o resultado final.

Uma solução parece ser, primeiro, considerar as razões pelas quais tais personagens estão na narrativa. Por que fazemos as escolhas que fazemos quando escrevemos? O que te fez colocar esse personagem nesse lugar? No que a personalidade dele se baseia? É na sua cor, nacionalidade ou religião? Tenha noção que basear personalidades imitando representações e justificando ações por coisas que não são formadoras de personalidade na vida real são sim estereótipos, é uma reprodução da alteridade por alegorias.

Como devemos, então, escrever algo fora da normalidade compulsória? E, ainda mais difícil, como criar algo que não pertença ao cotidiano do autor? Como saber se seu personagem não está seguindo estereótipos em cima da alteridade? A resposta para isso é sempre a pesquisa, é olhar fora de todas as suas bolhas, procurar compreender pessoas, e não tipos sociais. A indústria cultural tornou banal mimetizar representações, resumir culturas e pessoas a seu mais simples e caricato traço. O estereótipo também tem vida parasitária.

O autor é tão responsável pelo que escreve quanto para quem você escreve. Para convencer um público diverso e crítico, a inclusão pela inclusão não agrada e muito menos cativa. Não basta apenas incluir, toda representatividade deve ser coerente e verossímil. O leitor mudou, ele progrediu e se tornou mais crítico, assim também devem fazer os autores.

“Não escarrei estereótipos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.”

Atenciosamente,

Paula Cruciol

Julia Helena de Oliveira



¹ Definição de parasita em Oxford Languages. Disponível em: https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/

² HALL, Stuart. Cultura e Representação. Ed. Apicuri, 2016, p. 160

³ Ibidem, p. 191



Texto publicado na edição 5 — dedicatória da revista Alcateia.

23 visualizações

Posts Relacionados

Ver tudo

Listrado

Junho

Comments


bottom of page