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Claus Corbett

O corpo fala

Claus A. Corbett



Para dirimir expectativas, já aviso: este texto não é um guia para leitura de linguagem corporal. Sinto desapontar, mas não é minha intenção ensinar como perceber se alguém está mentindo para você ou respondendo aos seus avanços românticos. Mas o fato de que essa é uma expectativa válida para um texto com o título O corpo fala me parece um sinal de que há, aí, algo de interesse.

Honestamente, tenho um certo pé atrás com guias e dicas de leitura da linguagem corporal porque, como toda linguagem, ela é social, viva, mutável, subjetiva... e, não sendo nosso meio oficial de comunicação, não sendo uma linguagem que usamos através de escolhas (semi)conscientes, pode trazer nesses traços de subjetividade sentidos outros que não sejam compartilhados por quem nos interpreta, por quem interpreta nossos textos corporais.

“Textos corporais”? Mesmo entendendo a possibilidade de textos multimeios, das imagens e falas e sons outros como textos, pode parecer um pouco de exagero afirmar que o corpo também produz textos, mas não é. O corpo fala, é órgão de linguagem e, portanto, cria textos. Existem diversas formas de se definir o que é um texto, porém gostaria de acalmar os corações dos descrentes trazendo uma compreensão da área de linguística textual, que “trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas”.¹

E de que atos de comunicação nossos corpos são capazes? De cabeça, já posso falar de linguagens de sinais, mas isso é apenas um exemplo. Podemos falar de gestos e sinais de mão. São comuns, corriqueiros, constantes e cheios de sentido. Em alguns casos, mais universais e, em outros, mais regionais — é só pensar em como um ‘ok’ de um estadunidense pode ser algo completamente diferente para um brasileiro. Podemos falar de expressões faciais, muitas vezes tão involuntárias. Podemos falar de postura corporal. De tatuagens, adereços e outras modificações. Podemos falar de tantos outros sentidos que o visual que temos e o que escolhemos para nós mesmos transmitem à primeira vista.

O corpo significa. Como órgão de linguagem, fala e também interpreta significados. Se encolher quando levamos uma bronca é não só uma reação do corpo ao interpretar a possibilidade de agressão, mas é também uma forma do corpo comunicar que entendeu a mensagem. Um arrepio pode trazer diversos significados e ser a forma do corpo interpretar diversos inputs sensoriais ligados a um contexto e, de certa forma, de informar à mente de sua interpretação desses estímulos.

O corpo fala. Socialmente, psicologicamente, fisiologicamente. Fala com os outros e fala com nós mesmos.

Pode parecer uma ideia sem pé nem cabeça, mas gostaria de sugerir que há, sim, uma relação textual entre nós e nossos corpos. O interpretamos com base em pequenos textos, pequenos atos de comunicação. Diversas imagens, se preferir — imagens visuais, auditivas, táteis… Montamos a partir disso o que é chamado de nossa imagem corporal, a interpretação mental que temos de nossos corpos.² Não quero meter os pés pelas mãos, mas sugiro aqui que podemos entendê-la como um ato de interpretação desses diversos textos corporais e sociais.

A imagem corporal é dinâmica e influenciada por diversos outros atos de comunicação, como o movimento,³ por exemplo, que também é um momento em que novas informações são passadas por nosso corpo - mais um pequeno ato de comunicação. O corpo fala pelos cotovelos. Está sempre nos informando de questões fisiológicas, posturais, alimentares. Esses textos são somados a uma coletânea de informações que temos sobre quem somos nesse mundo físico através de nosso corpo físico.

Se somam também a eles expectativas externas que aceitamos como nossas e que se formam através de diversos atos de comunicação unificados. Todas as informações que nosso convívio social traz, todo filme, outdoor, comentário de terceiros são contextos que usamos em nossa interpretação; se os olhos veem, o coração sente.

“A Imagem Corporal é influenciada pelo meio social, de forma que o olhar do outro e a cultura em que o sujeito se insere influenciam na formação de sua identidade corporal”.⁴

Ou seja, os atos de comunicação social são usados em nossa interpretação do texto que nos é apresentado por nosso corpo, criando sentidos, ressignificando, reinterpretando quem somos a todo momento. E, afinal, quem somos então? Somos uma sucessão de atos de comunicação em um universo complexo de interações e negociações de sentidos. Fazemos interpretações desses textos, leituras em relação a outras leituras que já fizemos do mundo e dos outros. Nos interpretamos de uma forma e somos interpretados por outros de formas que podem ser similares ou drasticamente diferentes.

Somos, enfim, todos os textos que criamos reunidos em uma coletânea aberta à interpretação.



¹ Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2002. p. 27.

² Schilder, Paul. A Imagem do Corpo: as energias construtivas da psique. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

³ Idem.

⁴ Corbett, Claus Augustus; Campaña, Angela Nogueira Neves Betanho; Tavares, Maria da Consolação Gomes Cunha Fernandes. Atividade física, gênero e imagem corporal. Salusvita, v. 33, n. 3, p. 307-20, 2013.



Texto publicado na edição 3 — meios e registros da revista Alcateia.

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