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  • Paula Cruciol

E se?

Equipe Alcateia

ilustração de Mariana Lio



E se eu fosse falar sobre ludicidade, o que eu diria?


Poderia começar com alguma afirmação? Ou uma pergunta se encaixaria melhor? E se eu fizesse uma exclamação? Eu não poderia levantar algumas ideias antes?


Por exemplo: e se eu dissesse que o universo é um enorme jogo e nós somos jogadores tomando uma ou outra decisão? Isso seria ludicidade? Que tipo de jogador você seria? Que tipo de jogo seria? O que você diria?


E se, por outro ângulo, eu dissesse que os jogos de sedução e os jogos de azar são só dois jeitos de falar a mesma coisa? Não seria uma maneira interessante de tratar o lúdico na vida das pessoas?


E se eu dissesse que a comunicação é uma mistura de palavras, olhares, gestos, sons, movimentos e funciona como rodadas de jogos de cartas? E se eu te mostrar uma carta, o que ela significa? E que carta você vai mostrar para mim? E que cartas ainda temos guardadas? E aquelas que a gente não usou, elas ficam em algum lugar, elas vão a algum lugar? E se eu comparar baralhos com dicionários, jogos com diálogos?


Nove cartas dispostas em linhas de três de cabeça para baixo. No centro dessa disposição, um círculo que revela no plano de fundo mais cartas viradas para baixo.
ilustração de Mariana Lio

Isso seria um bom início de texto sobre ludicidade?


E se fosse por outra direção e dissesse que o meu trauma era um dragão vermelho gigantesco que se tornou um lagarto cinzento e agora repousa no meu ombro? E se eu dissesse que aquela lembrança boa da sua infância é um balão redondo e cheio que flutua perto da sua cabeça? E se eu dissesse que você tem um duende dentro da sua cabeça que te convence a fazer coisas excêntricas quando você está com os seus amigos?


E se eu te dissesse qualquer coisa?


E se eu te dissesse nada?


E se eu só começasse o texto e te dissesse que, na verdade, eu escrevi só por escrever? Há ludicidade nisso? Nos meus dedos pulando nas teclas do notebook, na dança semi-ensaiada, semi-improvisada que eles fazem enquanto as linhas pretas no papel virtual se transformam em blocos? Sabe, os blocos? Aqueles que você encaixa um no outro até formar um castelo? Você se lembra daqueles blocos? O que você construiria com aqueles blocos se eles fossem do tamanho de carros? E se eles fossem bem pequenos como botões? Você construiria alguma coisa ou daria outra utilidade? Para que servem os blocos? Será que o meu texto é um castelo daqueles blocos? Estaria eu apenas brincando de construir texto-castelos?


E se eu te dissesse que escrevi este texto só porque ele era divertido de ler? E se eu fiquei empolgada escrevendo? E isso não é ludicidade também? E se você estivesse lendo pela mesma razão? O que você está achando, aliás? Você está empolgado? Você está empolgada? Quem é você, afinal?


Você está indo além dessas palavras ou você as enxerga como são? Como elas são? O que você está pensando sobre o texto? E sobre ludicidade?


Parece que, no final, enquanto eu pensava em levantar todas essas ideias sobre como desenvolver a abertura da edição 6, ela já estava crescendo, mas por que desse jeito, por que as perguntas? E por que nenhuma resposta? Seria uma forma de mostrar possibilidade? Seria uma forma de provocação? Seria um jogo? É um jogo de perguntas? Eu acertei? Ou você acertou?


O que é, então, ludicidade? É um jogo? É um sentimento? É coisa inútil e perda de tempo? É coisa criativa e engraçada? É coisa descontraída? É coisa essencial para a vida?


O que é ludicidade?


É criatividade? É criação? Mas e se criação não fosse só coisa de artista e de mãe e de fazendeiro? O que é criação? O que está sendo criado? Tudo se cria ou tudo se transforma? Não foi isso que alguém disse uma vez?


É brincadeira? É jogo? Mas e se brincadeira não fosse coisa infantil? E se jogos não fossem coisa de criança? E se tudo fosse tudo? E se nada fosse nada? E não é?


Qual o limite das coisas? O que faz uma coisa ser ela mesma? O que é o jogo? O que é a criação? Poderíamos dizer que são coisas diferentes? Poderíamos dizer que são iguais?


E onde está, finalmente, a ludicidade? Nas brincadeiras? Nos jogos? Nas interpretações? Nos sentidos, nas formas, nas cores, nas estruturas? No início ou no fim? No plano ou na execução? Na realidade ou na imaginação?


Você não gostaria de descobrir?



Texto de abertura da edição 6 — ludicidade da revista Alcateia.

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